quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A sociedade de Corte Nobert Elias


A Formação e a transformação da sociedade de corte francesa como funções de deslocamentos sociais de poder


Toda forma de dominação é resultado de uma luta social, é a consolidação do modo de distribuição do poder que resulta dessa luta. A época da tal consolidação, o estágio do desenvolvimento social na origem de um regime, é determinante para sua forma especifica e para seu destino posterior. Assim, por exemplo, o absolutismo prussiano, que só adquiriu uma forma consolidada e só incluiu a nobreza feudal em sua estrutura de dominação muito depois do absolutismo francês, pode criar uma estrutura para a qual ainda faltavam condições na época do estabelecimento do regime absolutista na França – e não só na França, mas em todo o Ocidente.
            Essas duas estruturas de dominação foram antecedidas por lutas entre os reis e a nobreza feudal. Em ambas, a nobreza perdeu sua relativa autonomia politica, mas aquilo que o rei francês podia e queria iniciar no século XVII, a partir do novo poder conquistado, era algo diverso daquilo que o rei prussiano desejava e podia começar no século XVIII. Revela-se que aqui um fenômeno que pode ser observado com frequência na historia: um país, cujo desenvolvimento foi mais tardio, adotar e construir formas mais maduras para o controle de problemas institucionais, em relação a um país que se desenvolveu anteriormente. Muito do que Frederico II foi capaz de desenvolver em seu país – por exemplo o tipo de funcionalismo e de administração que ele introduziu – só teve correspondente na França na época da Revolução e com Napoleão. Entretanto esses desenvolvimentos posteriores, por sua vez, puderam solucionar na França problemas que a Prussia, depois Alemanha, só foi capaz de equacionar muito mais tarde.
            Os reis não se encontravam, de maneira alguma, fora dessa linha de desenvolvimento. Ela ditava os problemas e as tarefas, impelindo sua natureza para uma direção ou outra, ora bloqueando alguns de seus talentos naturais, ora aprimorando alguns deles. Assim como os indivíduos em geral, os reis também eram submetidos às coerções da interdependência humana. Seu poder ilimitado era a expressão e a consequência disso
            Um segundo fato, igualmente importante, está estreitamente ligado ao primeiro e frequentemente passa desapercebido. Os reis franceses travaram durante séculos, até Henrique  IV e, em certa medida, até Luis XIV, uma luta não-decidida. A disputa não era com a nobreza em geral, pois uma parte significativa dela havia sempre lutado ao lado dos reis, mas com a alta nobreza e seus partidários.
            O caso de Henrique IV foi similar: ao receber a noticia, quando ainda era um líder dos huguenotes e grande vassalo dos reis de França, de que que seu adversário, o duque de Guise, se preparava para a guerra, ofereceu-se para resolver o assunto por meio de um combate homem a homem: “A desigualdade de posição não deve impedir”. Um contra um, dois contra dois, dez contra dez ou vinte contra vinte, desejavam duelar com as armas usualmente utilizadas em uma questão  de honra entre cavaleiros. Foi o que Henrique IV manifestou.
            Luis XIV, embora vivendo em meio à sociedade de corte, havia se tornado seu único centro, e isso em uma medida que ultrapassava a de todos os seus antecessores. O equilíbrio de forças entre o rei e a nobreza  da qual ele fazia parte tinha sido totalmente deslocado. Entre ele e o restante dos nobres havia agora uma enorme distancia. Mas apesar de tudo, tratava-se de uma distancia dentro da mesma camada social.
            Já existia na França uma luta entre a nobreza e a realeza há muito tempo. Suas causas até o século XVII não serão abordadas aqui. Assinalemos, no entanto, que essa luta finalmente foi decidida em favor da realeza, mas a consumação e a extensão desse desfecho se deveram a circunstancias que estavam fora do alcance da vontade, da habilidade pessoal e do âmbito de dominação dos próprios reis franceses  em particular. O fato de o poder real ter cabido justamente a Henrique IV, após as guerras religiosas, poder ter sido resultado de dons pessoais  e de situações relativamente acidentais.
            As revoluções nas estruturas sociais do Ocidente, que se realizaram ao longo do século XVI, certamente foram quase tão significativas quanto as que só se manifestaram nitidamente no final do século XVIII. É claro que o afluxo de metais preciosos provenientes das terras ultramarinas e o correspondente aumento na circulação de bens que se efetuou em virtude disso, mais cedo ou mais tarde em todos os países do Ocidente , embora de modos bastante diversos, não foi a única causa dessas revoluções do século XVI.
1. Para compreender o comportamento da aristocracia de corte, em suas peculiaridades, e o ethos cortesão da boa sociedade no Ancien Regime, é necessária uma imagem da estrutura da corte. Contudo, a relação da "boa sociedade" com a corte nem sempre foi a mesma.
O "monde" do século XVIII era, em comparação com as relações sociais de hoje em dia, uma formação social extraordinariamente rígida e coerente. Por outro lado, era bem mais flexível em relação ao "monde" do sécuío XVII, sobretudo em relação à boa sociedade da época de Luís XIV. Pois sob Luís XIV a corte não era apenas o centro essencial e determinante da sociedade. Como o rei não aprovava, por motivos que serão discutidos mais tarde, a fragmentação do convívio social e a constituição de círculos fora da corte embora fosse impossível evitá-los totalmente , a vida social concentrava-se em grande medida na própria corte.
1 Trata-se de um processo gradual, em que o círculo fechado da vida social foi se desagregando após sua morte.
2 Os locais mais distintos para o convívio social eram poucos. Um deles era o Falais Royal, onde o regente morava; outro, o Palais du Temple, onde o grão-prior de Vendôme, descendente de um filho bastardo de todos esses círculos não eram nada menos do que pequenas cortes.
3 Sob o reinado de Luís XV, o centro de gravidade deslocou-se de tais palácios para os hotéis as residências de aristocratas da corte que não eram príncipes.
4 Mas isso de modo algum diminuiu a importância da corte como centro. Nela, todas as engrenagens da sociedade acabavam se juntando; nela se decidiam ainda a posição, a reputação e, até certo ponto, os rendimentos dos cortesãos. A partir de então, a corte passou a dividir com os círculos aristocráticos apenas seu significa- do como centro do convívio social, como fonte de cultura. O convívio social e a cultura da alta sociedade estavam se descentralizando lentamente, expandindo-se desde os hotéis dos nobres da corte até os hotéis dos financistas. Foi nesse estágio de seu desenvolvimento que o "monde" produziu o fenômeno conhecido como cultura de salão.

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